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Artigo de Claudia de Lucca Mano* No último dia 6 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento de Recurso Especial de Repercussão Geral que define se o porte de pequenas quantidades de cannabis para uso próprio é considerado crime. Ainda resta um voto para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal. A análise do caso foi interrompida por um pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli. O placar atual é de 5 votos a 3. Entretanto, é importante destacar que todos os ministros votaram a favor da fixação de critérios objetivos para distinguir usuário de traficante. A quantidade deve ser fixada em 60g, ou 6 plantas fêmeas. Na abertura da sessão no Plenário da Corte Superior, o presidente Luís Roberto Barroso fixou a controvérsia dupla em discussão: seria constitucional o art. 28 da Lei 11343/06, que enquadra usuários como criminosos? O judiciário deve operar com parâmetros objetivos para a diferenciação tráfico versus uso? Barroso destacou que as penas associadas ao porte de maconha não devem possuir natureza penal, questionando as consequências práticas, para além da primariedade. Atualmente, a lei prevê para usuários penas não privativas de liberdade a usuários: medidas educativas, prestação de serviços a comunidade ou advertência. Carmem Lúcia ressaltou que os condenados por porte de maconha podem encontrar dificuldades para se colocar no mercado de trabalho, por exemplo. No sistema prisional, a conduta afeta o acesso a benefícios como remissão de pena (por dias trabalhados) ou progressão para regime semiaberto ou aberto. Em 2023, o voto de Alexandre de Moraes levantou a complexa questão social que circunda o tema. Isso porque fica a cargo das autoridades policiais e judiciárias a interpretação dos casos, o que tem gerado discrepância de tratamentos entre diversos grupos sociais. Enquanto brancos, alfabetizados e privilegiados são considerados usuários com mais frequência, os cidadãos pretos, com baixa escolaridade e marginalizados são punidos como traficantes, mesmo portando a mesma quantidade de maconha. O voto do ministro André Mendonça sustenta a tese de que a posse de pequenas quantidades de maconha configura crime, acompanhando o ministro Zanin. Ele disse ainda que a Lei 11.343, de 2006, já teria destacado a separação entre usuários e traficantes no tratamento jurídico, de modo que o Congresso já se posicionou ao estabelecer penas alternativas à privação de liberdade. Na prática, o ministro foi contrário à chamada descriminalização, que, segundo ele, ocorreria com a retirada do uso da esfera penal (ou despenalização). Mendonça citou a dualidade do caso, concordando com a necessidade de estabelecer critérios objetivos para distinguir tráfico de uso. O ministro destacou também os malefícios da cannabis desde a dependência até os impactos em transtornos mentais e reprodutivos, apoiado em dados médicos. Mendonça disse que “transformar maconha em alimentos e cosméticos vai além do usuário e atinge a família e a sociedade”. Ou seja, ignorou os efeitos benéficos que produtos derivados de cannabis comprovadamente possuem na melhora da saúde e bem estar das pessoas, para tratamentos de doenças graves como epilepsia, síndromes neurológicas, transtorno do espectro autista e dores crônicas, por exemplo. Tocou ainda nas consequências sociais e políticas da legalização, citando experiências de outros países e estados americanos, que estudam recuar nas iniciativas semelhantes. Como exemplos, apontou a baixa percepção dos danos, pela população de locais onde ocorreu a legalização, bem como a frustração na expectativa de arrecadação tributária, em estados ou países que adotaram a medida. Assim, foi contra a descriminalização, mas a favor da definição das quantidades parâmetro. O ministro propôs a fixação de critérios objetivos quantitativos pelo Congresso Nacional. Sugeriu uma fase provisória de 180 dias, durante a qual o Congresso deve legislar e propôs como parâmetro cerca de 10g, ponderando que tal quantidade resulta em aproximadamente 34 cigarros. Nunes Marques acompanhou Zanin e Mendonça, contra de descriminalização, abordando estudos médicos e a experiência internacional e mencionando a crise do fentanil e o aumento do consumo de drogas. Ele destacou a validade constitucional da discussão e deixou a responsabilidade para o Congresso decidir. Ao final da sessão, o placar atual é de 5 votos a favor da não criminalização de usuários, 3 votos que mantém a conduta como crime e unanimidade quanto a necessidade de definição de critérios objetivos para diferenciação entre uso e tráfico, a ser definido pelo próprio Supremo ou pelo Congresso. Foram a favor da Inconstitucionalidade e definição de critérios objetivos: Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Edson Fachin. Foram contrários a descriminalização, mas a favor de parâmetros: Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques. E a votação só não foi encerrada no último dia 6 porque houve o pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que suspendeu o julgamento. Numa nota final, Toffoli destacou que é papel da Anvisa organizar e definir a lista de drogas licitas ou ilícitas no país, sinalizando que a agencia poderia regular a matéria, mas nada fez. De fato a agencia reguladora tem em mãos o poder de, inclusive, autorizar o plantio. Mas ser abstém, por opção e estratégia política, possivelmente receosa das repercussões negativas frente a opinião pública. Agora, é necessário aguardar a devolução do processo para que ele seja novamente pautado e para que os ministros restantes possam votar. *Claudia de Lucca Mano é advogada e consultora empresarial atuando desde 1999 na área de vigilância sanitária e assuntos regulatórios, fundadora da banca DLM e responsável pelo jurídico da associação Farmacann. Autor: A autora Fonte: Ex-Libris |