Depois de longos anos de estabilidade econômica que encorajou milhares de famílias a comprarem sua casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), estamos diante de novo impasse que envolve a correção dos contratos e juros. A notícia de que pode ser aumentada a remuneração dos depósitos do FGTS (proposta do senador Tasso Jereissati alterada por Garibaldi Alves, tramitando atualmente no Senado) faz com que os mutuários relembrem a década de 80, um período de inúmeras dificuldades para o pagamento das prestações e juros acima da inflação, com normas extremamente prejudiciais aos mutuários.
Segundo o advogado especializado em SFH Tiago Antolini, a conta do justo aumento da remuneração dos depósitos do FGTS vai ser paga pelos mutuários, já que a casa própria é financiada em 70% pelo FGTS. Para o especialista, a nova proposta soa como um “tapa na cara” daqueles que acreditaram nos números do governo federal, otimistas com a redução dos juros e conseqüente diminuição dos aumentos das prestações, o que os incentivou a assumir seus respectivos contratos de financiamento.
Isso porque o que se propõe é que a correção das contas do FGTS seja feita com base no INPC mais uma parcela da variação da taxa básica de juros (Selic), atualmente de 8,75%. Esse aumento pode desestabilizar a vida dos mutuários pela diferença gritante: nos últimos 10 anos, o INPC acumulou 98,80%, enquanto a TR – índice de remuneração dos depósitos dos FGTS – acumulou 25,53%. Assim, o reajustes da casa própria podem tornar-se até 4 vezes maiores do que o que se vem observando. Além disso, a taxa Selic, também componente do índice, tende a crescer daqui para a frente.
Desestabilização do Sistema Financeiro da Habitação
Caso a proposta em tramitação seja aprovada, centenas de milhares de mutuários terão dificuldades para pagar suas prestações, piorando ainda mais a situação atual, na qual cerca de 50% dos compradores de imóveis financiados pelo SFH já são considerados inadimplentes.
Antolini observa que esse crescimento da inadimplência diminuiria o afluxo de recursos advindos de prestações para o caixa do SFH, disponibilizando menos dinheiro para novos financiamentos. Por outro lado, o especialista avalia que milhares de famílias perderiam seus imóveis por inadimplência.
Outra consequência seria uma profusão de ações na Justiça questionando a mudança da sistemática dos reajustes, causando uma trama gigantesca como a que aconteceu no início da década de 1990, quando tivemos a modificação do índice de remuneração de OTN/BTN para TR através da Lei 8177/91.
Solução tem de ser integral
Tiago Antolini vê como justo aumentar-se a remuneração dos depósitos do FGTS, já que os índices atuais prejudicam os trabalhadores porque estão bem abaixo dos pagos pelo mercado. Entretanto, ele crê que de nada adianta corrigir-se essa injustiça, se quem vai pagar a conta é o próprio trabalhador na outra ponta - que é quem mais precisa de financiamento habitacional: "Ademais, o financiamento da casa própria tem toda uma conotação social" – lembra.
Diante disso, o especialista propõe que os contratos de financiamento já assinados (cerca de 800 mil) sejam respeitados, mantendo-se os seus reajustes originais. E que se dê o devido tratamento social à política de reajustes do SFH, protegendo-a de respingos de quaisquer alterações na polística governamental, como essa proposta atual no Senado: "Caso isso não seja feito, será um Deus nos acuda" - alerta.