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Eduardo da Fonseca, economista
   
     
 


13/12/2009

Eduardo da Fonseca, economista
"Não éramos tão ruins, nem ficamos tão bons"

Economista, escritor e filósofo, o professor Eduardo Giannetti da Fonseca diz que a sociedade brasileira ainda vive entre dois extremos. Alterna períodos de agudo pessimismo, como se o País fosse cronicamente inviável, com outros de excesso de otimismo, como se não houvesse nenhum risco adiante. "Ficamos eufóricos demais e estamos indo com muita sede ao pote", diz ele. Giannetti avisa que talvez não seja possível realizar todas as ambições do governo Lula.

"Decidimos fazer tudo ao mesmo tempo: Copa do Mundo, Olimpíada, trem-bala, submarino atômico e Angra 3." O perigo, segundo Giannetti, é colocar em risco as contas públicas e as contas externas. O professor, que dá aulas no Insper (ex-Ibmec/SP), aponta o risco de que o Brasil recorra de forma maciça à poupança externa, retomando ciclos de endividamento que acabaram muito mal no passado. Leia a seguir sua entrevista exclusiva à revista DINHEIRO.

DINHEIRO - Passado o pior momento da crise, o sr. acredita num sistema financeiro global mais regulado e mais sólido?
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
- Uma das causas dessa crise foi a aposta desastrada na desregulamentação. Não sei se vai resultar disso uma regulamentação adequada, porque é muito difícil prever a próxima crise. Os banqueiros e os operadores do mercado financeiro são extremamente criativos e vão inventar novas possibilidades especulativas. E não é uma questão de falta de ética dos agentes financeiros, cuja criatividade, na grande maioria das vezes, não atropela nenhum parâmetro legal. Então, certamente vamos viver com bolhas e crises no futuro.

DINHEIRO - A memória desta última crise funciona como um freio?
GIANNETTI
- Sim, o trauma demora a cicatrizar. Mas, em poucos anos, teremos novos movimentos especulativos agressivos, como tem acontecido sempre na história financeira do mundo. E devo dizer que um mundo com regulamentação opressiva é pior do que um mundo com bolhas periódicas.

DINHEIRO - O que causou a crise?
GIANNETTI
- Esta crise foi uma hipertrofia do sistema financeiro em relação à economia real. Houve um crescimento desgovernado do tamanho das finanças. Os números são impressionantes. O total de ativos financeiros no mundo, incluindo depósitos em banco, títulos de dívida e ações, passou de cerca de US$ 96 trilhões de dólares em 2002 para US$ 167 trilhões no auge da expansão. Cresceu 75% em cinco anos. Isso mostra que algo muito desproporcional ocorreu na relação entre economia real e finanças. Mas o clima de prosperidade acaba contamigrannando a sociedade como um todo, de modo que ninguém percebe o absurdo da situação até que a bolha estoura.

Ernesto Geisel, presidente da República entre 1974 e 1979

DINHEIRO - A normalização do cenário implica necessariamente um encolhimento das finanças?
GIANNETTI -
Se voltarmos à normalidade pré-crise, o mundo financeiro vai ter que encolher para ficar proporcional à economia real.

DINHEIRO - E já é o momento para isso?
GIANNETTI
- Do ponto de vista financeiro, estamos no começo do fim. Acabou a fase crítica, de pânico. Já do ponto de vista de economia real, ainda estamos no fim do começo da recuperação, porque as famílias ainda estão endividadas, as empresas têm muita capacidade ociosa - pararam de investir -, o desemprego é alto e tende a crescer nos próximos meses, o crédito continua restrito. Até limpar esse processo, vão alguns trimestres.

DINHEIRO - Nos países emergentes, como o Brasil, a situação é melhor, não?
GIANNETTI - O mundo sai da crise com um peso maior dos emergentes nas turbinas da economia mundial. As ameaças de crise nesses países têm outra natureza. A China, por exemplo, tem problemas institucionais. Até que ponto uma nação consegue prosperar e dar melhores condições materiais de vida à população sem que isso seja acompanhado de restrições de liberdades e direitos? Essa é uma enorme incógnita. A Índia tem problemas ambientais. Não podemos subestimar a possibilidade de que, nos próximos anos, a restrição ao crescimento vinda do lado ambiental se torne cada vez mais presente. Nesses dois países, estão mais de dois bilhões de pessoas com aspirações de consumo americano. E isso vai ter necessariamente um limite.

DINHEIRO - E quanto ao Brasil?
GIANNETTI -
O Brasil passou muito bem pelo teste de estresse dessa crise internacional. O País era um caso de hipersensibilidade às mudanças do cenário externo. Bastava um espirro lá fora para virar pneumonia e UTI aqui dentro. Desta vez, foi completamente diferente. Mas também não foi uma marolinha. Um ano em que o PIB cresce pouco mais que zero é um ano de recessão no Brasil, porque a população economicamente ativa aqui ainda cresce 2% ao ano. A indústria de transformação em 2009 vai ter uma queda de 5% a 6%. O Brasil não está imune à crise. O que dá para dizer é que o nosso sistema imunológico está robusto e apto a assimilar uma crise desse tipo.

DINHEIRO - Que aspectos favoráveis o sr. destaca no Brasil?
GIANNETTI -
Ao contrário, por exemplo, do Chile e do México, que são economias muito integradas ao comércio internacional, o Brasil ainda é um país relativamente fechado e muito mais dependente do seu mercado doméstico. No caso dessa crise, isso foi uma grande vantagem. Além disso, nossa pauta de exportações é diversificada. Teve também uma reação do governo, que contou bastante, para estimular o consumo, e o uso do sistema bancário estatal para compensar a retração do crédito dos bancos privados.

DINHEIRO - Mas essa situação econômica positiva do País é sustentável?
GIANNETTI
- O ruim é que a resposta brasileira à crise foi de sustentação da demanda do lado do consumo, principalmente pelo aumento do gasto corrente do governo. Significa que nós reduzimos a poupança doméstica que já é cronicamente baixa. Ela girava em torno de 18% do PIB, contra 50% na China, por exemplo. Com esse aumento do gasto público, nossa poupança doméstica caiu para 16% do PIB. A expectativa é de que o interesse dos investidores externos no Brasil possa compensar a queda da poupança doméstica. Mas há limites para isso. Não se pode ficar dependendo do capital externo. O governo Geisel tinha a ideia de que o País era uma ilha de prosperidade num mar turbulento. Mas foi com muita sede ao pote da poupança externa - na época eram os petrodólares - e isso acabou nos tornando uma ilha de turbulência num mar de prosperidade. Esse filme já passou várias vezes e precisamos ter muita maturidade para não incorrermos nos erros do passado.

DINHEIRO - Mas o discurso político de agora não aponta na direção desses erros?
GIANNETTI -
Não somente o discurso político. Acho que a imaginação brasileira flutua muito nos extremos. Ou o Brasil é inviável - o último que sair apaga a luz - ou então ninguém segura este país, o que leva à embriaguez da euforia. Eu tento moderar esses excessos. Não era tão ruim antes e também não é tão bom agora. Os problemas de fundo continuam os mesmos. E o principal deles é a nossa deficiência de capital humano. Se o Brasil tem a pretensão de dizer algo original e bom para o mundo, precisa resolver a deficiência educacional.

DINHEIRO - Há risco da "bolha Brasil"?
GIANNETTI
- O que eu vejo na iminência de acontecer é o Brasil tentar fazer muito mais coisas ao mesmo tempo do que tem maturidade para realizar. Nós queremos fazer a Copa do Mundo, a Olimpíada, o pré-sal, o trem-bala, queremos ter submarino atômico, completar Angra 3... E não tem financiamento de longo prazo. Daí, o risco de irmos, novamente, com muita sede ao pote da poupança externa.

DINHEIRO - Nesse cenário, qual a sua perspectiva para o Brasil em 2010?
GIANNETTI -
O ano que vem deve ser de muito otimismo no Brasil, porque vamos passar por uma recuperação cíclica. Depois de um ou dois anos de economia retraída, quando as coisas se normalizam, há um período extremamente prazeroso que é a recuperação cíclica. Você tem uma grande ociosidade do estoque de capital físico e humano e, quando a demanda cresce, é possível atendê-la rapidamente. Isso permite um crescimento muito forte nessa retomada. Só que isso é limitado. Depois que o estoque acaba é que começa o crescimento sustentado. Equacionar isso é o nosso problema.

DINHEIRO - Mas não há também sinais de mais ingerência estatal no País?
GIANNETTI -
Isso aumentou bastante no segundo mandato do presidente Lula. A crise abriu um espaço para esse tipo de iniciativa. É totalmente descabido, por exemplo, um presidente da República dar ordem para a Vale sobre onde a empresa deve investir.

DINHEIRO - O ano que vem, eleitoral, estimula isso?
GIANNETTI
- Não há dúvida de que a tentação estatizante cresceu no final do governo Lula. Por exemplo, no setor bancário. Esse foi um ponto que me deixou muito apreensivo: a maneira como os bancos estatais buscaram se favorecer da crise para aumentar a sua participação no sistema.

DINHEIRO - Que tipo de riscos isso traz?
GIANNETTI -
O de ineficiência. Também surgem problemas de corrupção e má alocação de recursos.

DINHEIRO - O momento do País contribui para promessas políticas fáceis?
GIANNETTI -
A maneira como estamos sendo vistos no Exterior favorece essa psicologia do otimismo. Mas acho que o País se destacou do pelotão do populismo da América Latina.

DINHEIRO - Mesmo os escândalos políticos não são capazes de minar esse cenário?
GIANNETTI
- Houve uma mudança. O Brasil conseguiu separar as tempestades no pântano da política do dia a dia da economia.

Fonte: ISTOÉ Dinheiro
Autor: Carolina Matos
Revisão e edição: de responsabilidade da fonte

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